quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Na biblioteca

O que não pode ser dito
guarda um silêncio feito
de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiado tarde,


quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,


em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,


as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.


Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.


Manuel António Pina

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